Sobre a publicação, "DETETIVE AYAHUASCA/TRANZOMBA" e outros títulos de SAMA por Maurício Gouveia...

 


 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
DETETIVE AYAHUASCA está à venda no SEBO BARATOS, em Botafogo (esquina da Dezenove de Fevereiro com a Voluntários), mas demorei pra anunciar. Faço-o agora, após reler o também deslumbrante MONDO SAMA. Como tudo o que SAMA lança: de um capricho artesanal, em termos de impressão, que é de cair o queixo. Um trabalho gráfico de primeiríssima.
 
Uma impressão à altura da ARTE acachapante desse artista multimídia: é escritor, roteirista, artista plástico, ator, dramaturgo... um subversivo capaz de usar tudo quando é ferramenta pra intervir em seu tempo e lugar, por mais que suas referências.... retrô ou vintage, por assim dizer... possam confundir o leitor. Porque SAMA É ATUALÍSSIMO. E a forma como reinventa o passado (caso da literatura Noir, uma de suas paixões) só realça isso.
 
SAMA É UM NEXO ONDE GERAÇÕES SE ENCONTRAM.
Para entender o que digo: procure a HQ do Laerte publicada na seminal Balão (#6, em que seu traço tá super próximo do Henfil, ou MELHOR AINDA: o Angeli desenhando como se estivesse possuído pelo Millôr no número 8, da Balão (página 24). SAMA foi adolescente com as revistas, Circo / Spektro / Animal / El Víbora / Piratas do Tietê, amadureceu investigando as fontes, (Heavy Metal, Metal Hurlant, Pilot) até se esbaldar nos clássicos (Will Eisner, Jack Kirby, Bernie Krigstein). SAMA é um artista com uma assinatura inconfundível, mas que nunca deixa de ser um convite para que o leitor revisite os mestres. Em seus momentos mais caprichosos seu traço se filia ao de Reinhard Kleist, David Small e Frederik Peeters. Mas ATENÇÃO:
Numa época em que quase todo quadrinista é muito limpinho, asseado, cheirosinho e perfeitinho, Sama segue militando no time dos malcriados e perigosos, junto com Allan Sieber, Denis Mello e Julio Shimamoto (sim! O coroa, o veterano: que, assim como Sama, foi se interessando mais e mais por técnicas de impressão heterogêneas, conforme amadureceu).
 
SAMA prefere técnicas mais “sujas” (ele é essencialmente um punk rocker), com nanquim “vazando” e traços robustos-quase-brutos. Carrega a tocha dos fanzineiros. Sim, é fanzine, apesar do acabamento, porque o fanzine é uma estética: que ele abraça apaixonadamente.
 
É NAS TEMÁTICAS E NO ESTILO NARRATIVO QUE SAMA É MAIS CLASSUDO. Se há algo um tiquinho nostálgico em sua obra: é a escatologia de quem leu o jornal espreme-e-sai-sangue, Notícias Populares, é o ritmo da literatura pulp-bagaceira, são os personagens arquetípicos, como os dos Contos da Cripta, é o humor que remete à pornochanchada e a lembrança de uma juventude embalada pela Jovem Guarda e que jamais caberia na atitude “cool” do indie rock do século XXI. 
 
CURIOSO QUE SUA ÚLTIMA PUBLICAÇÃO, “DETETIVE AYAHUASCA: investigador do Insólito”, SEJA SOBRE UMA TRAVESTI.
E o termo “travesti” (poderia ser também “traveco”) é uma escolha consciente. Seu protagonista vive numa época que esperamos já tenha passado: aquela época em que ser trans era MUITO MAIS PERIGOSO do que hoje. Não que o perigo tenha passado: o Brasil ainda é o país que mais mata pessoas transexuais, e Sama deixa isso claro ao dedicar a elas seu fanzine. Mas uns 15 ou 30 anos atrás: o buraco era um tanto mais embaixo. Curiosamente esse trabalho foi publicado na mesma época em que S. Lobo publicou LÓVISTORI, estonteantemente ilustrada por Alcimar Frazão, e que também fala de transexuais obrigados a se prostituir e que acabam tragicamente vítimas da violência – de policiais num caso, de playboys no outro. Em ambas as HQs: o travesti faz parte de um casal interacial e a religiosidade afro-brasileira, a Umbanda e a Macumba, aparecem como força protetora dos oprimidos.
 
Enfim. Eu poderia desencavar mais elogios ou dar mais spoilers. Mas minha missão é apenas convencê-lo a ler esses quadrinhos arretados. E à essa altura eu espero já ter te deixado impaciente pra ir lá comprar seu exemplar. Então vai. Corre lá! 
 
À partir da postagem original, Facebook de Maurício Gouveia (a.k.a. Ácaro Maurício), Rio de Janeiro, 7/6/2022